“Sim, mas e daí?” Você deve estar se perguntando. “O que isso tem haver com cinema?”. Nada, se não fosse por um detalhe: os grevistas da vez não são operários de uma metalúrgica, mas roteiristas americanos!
Novamente você se pergunta: “Sim, mas e daí?”. Bem, e daí que vários filmes e séries ficaram “órfãos” e a produção teve que ser interrompida. Sabe aquela sua série favorita? Ela corre sério risco de ser cancelada ou de entrar em coma profundo sem previsão de volta. E aquele filme que você está esperando ansioso pela sua estréia, pode demorar e muito para chegar as telonas. Mas apesar de tudo, não devemos ficar com raiva dos roteiristas. Claro que pode ser frustrante para fãs como eu saber que essas coisas podem e estão acontecendo, mas roteirista também é gente e tem que trabalhar com dignidade. Vamos tentar entender a situação desses camaradas do audiovisual, antes de tudo.
Qualquer fã de cinema que tenha navegado pela World Wide Web durante esse mês já deve ter se deparado com alguma notícia sobre a crise pela qual passa o entretenimento norte-americano devido a greve da associação dos roteiristas (Writers Guild of America). A instituição exige participação nos lucros dos produtos vendidos em DVD (seriados e filmes) e disponíveis na internet (programas de televisão). Do outro lado estão os grandes estúdios, que não querem ceder e já aplicam represálias aos grevistas.
A televisão e o cinema estão ficando comprometidos. Roteiros não são escritos e produções ficam paradas no estágio de pré-produção. As filmagens de "Anjos e Demônios", segundo filme baseado nos romances de Dan Brown estão paradas. Brad Pitt abandonou a produção do suspense “State of play”, e pode ser processado pela Universal Studios por quebra de contrato. Um filme de Johnny Depp, e um musical estrelado por Penélope Cruz tiveram seus projetos congelados, pois os roteiros não foram finalizados antes da greve. Seriados de televisão estão sendo reprisados e as novas temporadas, adiadas. Seria o fim dos dias chegando?
Até mesmo o atual governador da Califórnia, Arnold Schwarzenegger (O Exterminador do Futuro I, II e III além de... advinha? Fim dos dias (End of Days - 1999) entrou na briga. O ator está mediando as conversas entre os lados envolvidos visando uma rápida solução, pois a greve atinge em cheio a economia do estado.
Tanto roteiristas, quanto os “chefes” dos estúdios de cinema e canais de televisão estão dispostos a conversar, mas não de ceder. Os roteiristas defendem que a venda dos produtos em DVD e a venda dos conteúdos na internet não deixa de ser uma nova forma de veiculação do trabalho deles. Os “chefes” das corporações dizem que compram “direitos autorais”, podendo veicular os produtos em diversos suportes sem pagar adicionais.
A associação dos atores norte-americanos (SAG) entrou na briga ao lado dos roteiristas, o que pode influenciar o resultado final do impasse.
Todos nós sabemos que a indústria do entretenimento audiovisual dos EUA é assaz competitiva. Isso não é novidade para ninguém. Vejamos, por lógica, cada setor dessa industria precisa defender seus interesses e integrantes. Antes, a maior parte dos “operários” dessa indústria era assalariada. Artistas, diretores e os tais roteiristas trabalhavam com exclusividade para uma determinada rede ou estúdio. Nos dias de hoje isso mudou. Não existe mais essa “exclusividade”, ou seja, todo mundo em Hollywood é freelancer. Quando soube da situação, no primeiro momento pensei que seria o fim do mundo. Sim, um pouco exagerado talvez, até porque depois descobri que essa não é a primeira greve feita pelos roteiristas. Nos anos de 1985 e 1988 aconteceram outras duas, pelos mesmos motivos dessa de 2007: renegociação de contrato por uma condição mais justa de trabalho.
Um detalhe interessante que vale ser ressaltado é o fato das greves coincidirem com os grandes avanços tecnológicos. Por exemplo, o Digital Versatile Disc, também conhecido pelos mais íntimos como DVD é um dos culpados pela discórdia. Junte ao DVD o crescimento da Internet e as novas tecnologias celulares e advinha o que temos? Um efeito dominó violento!
Entenda: a cada DVD vendido, os roteiristas “participantes” recebem US$ 0,04. Agora, eles querem dobrar o valor, passando para US$ 0,08. Não é preciso pedir ajuda ao matemático Oswald de Souza para saber que essa “pequena” mudança iria pesar nos bolsos dos “chefinhos”. Do outro lado desculpas já estão sendo elaboradas: Para os chefes, está cada vez mais caro distribuir e promover um DVD. Vocês acreditam nisso? Pois é, nem eu. E digo mais, para mim, o papel de um roteirista é tão importante quanto o de um diretor. Até porque dificilmente um filme com um roteiro ruim poderia ser bom só por conta da direção.
Será que a hierarquia das “cadeirinhas” deveria ser alterada também? Afinal, é um trabalho em equipe, entre diretores, atores e roteiristas. Por que diabos, então, só os diretores e os atores levam a fama descaradamente? E as idéias geniais e os calos nos dedos, como ficam?
Mais uma vez faço minhas as palavras do nosso ilustre Cid Moreira: “Estamos de ôôôÔÔÔôôôlho...”. E digo mais, devemos ficar de olhos bem abertos mais precisamente em junho de 2008. O que essa data tem de tão especial? Nada, se não fosse o fato da Screen Actors Guild – sindicato dos atores de Hollywood – renegociar seu contrato com os estúdios. E advinha qual será a pauta da discursão? A mesma dos roteiristas: DVD e novas tecnologias – quanto a gente ganha com isso? Imagina se eles entram em greve de classe também? É o apocalypse chegando...